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Hannah Arendt e o preço da lucidez

  • Foto do escritor:  Eric Rudhiery Albuquerque
    Eric Rudhiery Albuquerque
  • 2 de jul.
  • 3 min de leitura

"Você pensa por conta própria ou apenas repete o que ouviu?"


Wikipédia
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Em tempos de repetição cega, discursos prontos e frases feitas, lembrar de Hannah Arendt é quase um ato de resistência. Filósofa, judia, exilada, crítica de regimes totalitários e das massas obedientes, Arendt nunca se curvou ao espírito do tempo. Por isso mesmo, ela ainda incomoda e, por isso mesmo, ainda é necessária.

Hannah Arendt nasceu em 1906, na Alemanha, e foi aluna de Martin Heidegger (esse merece uma matéria e você sabe bem porquê). Arendt, teve que fugir do regime nazista. Foi presa, libertada, exilada. Viveu na França, depois nos Estados Unidos. Nunca deixou de observar o mundo. E nunca deixou de escrever.


Seu nome voltou com força ao debate público por causa de uma expressão que ela cunhou: "a banalidade do mal". Arendt usou esse termo ao cobrir o julgamento de Adolf Eichmann, um dos responsáveis pela logística do Holocausto. O que a chocou não foi a maldade monstruosa de Eichmann, mas sua mediocridade. Um burocrata comum, que apenas "cumpria ordens". Que não pensava. Que se esquivava da responsabilidade moral por suas ações.


A frase dela ficou marcada: “O mal não é radical, apenas extremo. Pode invadir o mundo e arruiná-lo porque se espalha como um fungo na superfície. É a banalidade do mal.”


E o mal, hoje, não desapareceu. Ele apenas mudou de roupa.

Estamos novamente diante do crescimento de discursos antissemíticos, racistas e extremistas, em várias partes do mundo. A violência contra judeus — seja em sinagogas, escolas ou até mesmo nas universidades ocidentais — aumentou. Pichações, ameaças, atentados, revisionismo histórico. Muitos jovens sequer sabem o que foi o Holocausto. Outros negam. Há líderes e movimentos que, em nome de uma suposta justiça, voltam a mirar no povo judeu com ódio e teorias conspiratórias.


É nesse cenário que Hannah Arendt volta a ser crucial. Não como ícone de vitimismo, mas como um alerta. Ela mostra que o antissemitismo não nasce do nada — nasce de discursos construídos, aceitos, espalhados como verdades. Nasce quando o ódio é tolerado como “opinião” e quando o pensamento crítico é abandonado em nome da emoção bruta.

Arendt foi perseguida por ser judia, e ainda assim, teve a coragem de criticar o próprio povo quando achou necessário. Mas jamais cedeu ao antissemitismo disfarçado de política. Ela sabia que o verdadeiro pensamento não pode se submeter a narrativas cegas — nem de um lado, nem de outro.


O que ela propunha era simples, mas exigente: responsabilidade pessoal, capacidade de julgamento, coragem de pensar por si mesmo.

Por isso, quando vemos jovens repetindo discursos de ódio sem saber a história, ou governos flertando com censuras, perseguições e populismos autoritários, lembrar de Hannah Arendt não é nostalgia acadêmica, é sobrevivência.


Seu livro “Origens do Totalitarismo” continua atual, talvez mais do que nunca. Porque regimes totalitários não nascem do dia para a noite. Nascem do silêncio. Da covardia. Da indiferença. E, principalmente, da recusa em pensar.

A pergunta que ela nos deixa é direta: "Você pensa por conta própria ou apenas repete o que ouviu?"


O antissemitismo cresce, o extremismo se alastra, e a democracia parece cada vez mais frágil. Mas enquanto houver pessoas dispostas a pensar com lucidez e a lembrar nomes como o de Hannah Arendt, ainda há esperança.


Porque, sim, pensar é perigoso. Mas é o único caminho para não sermos cúmplices de um mal que, se nos acostumarmos, voltará a parecer normal.


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