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O Brasil não lê — e pro Estado, está tudo bem

  • Foto do escritor:  Eric Rudhiery Albuquerque
    Eric Rudhiery Albuquerque
  • 2 de jul.
  • 3 min de leitura

Mais da metade dos brasileiros não lê livros. Não é um exagero retórico, é um dado oficial. A 6ª edição da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, do Instituto Pró-Livro, acaba de confirmar: 53% da população não leu sequer um livro nos últimos três meses, seja ele físico ou digital. E não estamos falando apenas de pobres, crianças ou pessoas sem escolaridade. A queda atinge praticamente todas as faixas etárias, classes sociais e níveis de ensino. Ou seja: estamos, como país, desistindo da leitura.


E como reagimos a essa tragédia silenciosa?

Com memes, com vídeos de 15 segundos, com mais leis que não saem do papel e com uma classe política que, em sua maioria, não lê sequer os projetos que assina. O Senado até discute propostas interessantes, como a Política Nacional do Livro e o fortalecimento de bibliotecas públicas. Mas sejamos francos: o problema está muito além da legislação.

Estamos diante de um colapso cultural. E ele não será revertido apenas com eventos de incentivo à leitura nas escolas ou preços tabelados para livros.


O que estamos perdendo é o desejo de ler. O prazer da leitura, o valor do conhecimento, a importância da linguagem como ferramenta de pensamento e poder. E isso não se resolve com projetos de marketing institucional. Isso exige revolução de mentalidade.


Como esperar que um jovem ame os livros se sua escola despreza a literatura? Se os próprios professores, exaustos e mal pagos, têm dificuldade de tempo e energia para ler? Se nas redes sociais, o leitor é zombado como elitista, careta ou arrogante? Como incentivar a leitura em um país onde ser culto é ser excluído?


O dado mais simbólico da pesquisa, talvez, seja este: 73% dos brasileiros não terminaram nenhum livro nos últimos meses. Nenhum. Nem mesmo os mais curtos. Isso diz tudo. Não é apenas desinteresse. É desconexão com a própria linguagem. Com a construção de sentido. Com a paciência que o pensamento exige.


A coordenadora da pesquisa, Zoara Failla, aponta com precisão um dos fatores principais: o aumento do tempo livre gasto na internet, especialmente entre crianças. Videogames, vídeos curtos, redes sociais. Não são o mal em si, mas se tornam perigosos quando ocupam todo o espaço da imaginação. A leitura não compete com isso em velocidade, em estímulo, em impacto visual. Mas compete em profundidade. E está perdendo.


Mais do que uma estatística, essa pesquisa deveria soar como um alarme existencial. Um país que não lê é um país que não pensa. Que não se conhece. Que repete discursos e se torna refém dos slogans fáceis. É um país que se deixa governar pela manchete, pela emoção do dia, pelo algoritmo.


A elite política e intelectual brasileira, aquela que frequenta eventos, escreve colunas e defende "projetos transformadores", deveria se perguntar: por que, mesmo com tanta campanha e discurso, os brasileiros estão lendo cada vez menos? Será que a culpa é do povo, ou de uma elite que abandonou o papel de guia e formador cultural?


Estamos perdendo mais do que leitores. Estamos perdendo cidadãos conscientes, críticos, capazes de sustentar ideias complexas e de questionar o mundo. E isso, para qualquer regime autoritário ou para qualquer mercado sedento de consumo fácil, é ótimo. Gente que não lê é mais fácil de manipular.


A pergunta final é direta: o que você leu este mês? E, se a resposta for nada, talvez esteja na hora de repensar não só o tempo livre, mas a vida inteira.

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