Conservadorismo em crise
- Eric Rudhiery Albuquerque

- 26 de jul.
- 3 min de leitura

Embora hoje o termo "conservador" esteja amplamente associado a uma ala da política de direita que defende pautas morais e econômicas específicas, a origem do conservadorismo é profundamente mais complexa, intelectual e institucional. As raízes do pensamento conservador moderno remontam ao século XVIII, e envolvem tanto a crítica à revolução francesa quanto a defesa de direitos históricos ameaçados por governos centralizadores.
Muitos estudiosos apontam que os Estados Unidos foram o berço prático de um conservadorismo funcional antes mesmo do conceito ganhar seu nome. A Revolução Americana (1775–1783) não foi uma tentativa de ruptura total com o passado, mas sim uma defesa da ordem legal e dos direitos naturais frente ao absolutismo fiscal da Coroa britânica. Os colonos americanos exigiam o respeito aos direitos ingleses tradicionais, como a representação parlamentar e o devido processo legal e rejeitavam os impostos unilaterais impostos por Londres.
Nesse sentido, figuras como John Adams, Alexander Hamilton e posteriormente James Madison atuaram como intelectuais e estadistas comprometidos com uma visão conservadora da liberdade: baseada em instituições sólidas, em um equilíbrio de poderes e na contenção dos abusos estatais.
Na Europa, o pensador irlandês Edmund Burke consolidou a base filosófica do conservadorismo em sua obra Reflexões sobre a Revolução na França (1790), onde defendia que reformas políticas devem ser lentas, orgânicas e enraizadas na experiência histórica de uma nação jamais construídas sobre abstrações ideológicas ou projetos revolucionários.
Dois séculos depois, autores como Russell Kirk e Michael Oakeshott reforçaram a ideia de que o conservadorismo não é uma ideologia rígida, mas uma disposição moral. Ele valoriza o que é testado pelo tempo, a ordem espontânea das tradições, a dignidade das instituições e o ceticismo quanto ao poder concentrado.
Nas últimas décadas, no entanto, o conservadorismo tem sido cada vez mais utilizado como um rótulo superficial. Movimentos de direita que se dizem conservadores frequentemente abandonam os princípios basilares da tradição, preferindo discursos inflamados, ataques institucionais e a personalização da política. Em muitos casos, a defesa de “valores conservadores” é usada como escudo para justificar comportamentos antiéticos, autoritarismo e negacionismo intelectual.
Essa inversão é visível principalmente na América Latina, onde lideranças políticas se apropriam do vocabulário conservador, mas demonstram pouco ou nenhum comprometimento com o legado institucional que tal postura exige. A defesa da moral pública, por exemplo, é muitas vezes reduzida a slogans religiosos, enquanto práticas concretas de corrupção, desprezo ao estado de direito e alianças incoerentes são relativizadas.
Um dos efeitos mais visíveis dessa degradação conservadora é o abandono do campo intelectual e acadêmico. Ao longo das últimas décadas, a esquerda com suas múltiplas vertentes ideológicas ocupou massivamente as universidades, centros de pesquisa e instituições culturais. Isso não se deu apenas por mérito organizacional, mas também pela falta de interesse ou capacidade de muitos autodeclarados conservadores em dialogar com o universo acadêmico.
Enquanto figuras conservadoras clássicas como Burke, Tocqueville ou C.S. Lewis eram profundamente letradas e articuladas em filosofia, teologia, economia e política, o conservadorismo contemporâneo em muitos países é representado por indivíduos sem formação sólida, sem leitura dos clássicos e com discursos pouco fundamentados. Isso tem consequências graves: sem representantes intelectualmente preparados, ideias conservadoras genuínas perdem espaço no debate público e se tornam alvo fácil de caricaturas e desprezo.
Especialistas apontam que o conservadorismo ainda pode ser restaurado. Para isso, será necessário um retorno sistemático às suas raízes intelectuais: leitura dos clássicos, valorização da tradição cristã ocidental, respeito às instituições democráticas e abertura ao debate público com base em argumentos consistentes.
Além disso, é necessário o abandono do moralismo superficial que transformou o conservadorismo em uma vitrine de aparências. A verdadeira moral pública não se sustenta em discursos inflamados, mas em coerência de vida, responsabilidade cívica e defesa contínua do bem comum.
Se o conservadorismo quiser voltar a ser relevante no século XXI, terá de reencontrar sua alma, aquela que nasceu para preservar o que há de mais elevado numa civilização, e não para ser escudo de populismos disfarçados de tradição.




Comentários