O verdadeiro rosto do poder invisível - Nós e O anel de Giges
- Eric Rudhiery Albuquerque

- 12 de ago.
- 2 min de leitura
Atualizado: 9 de ago.

Platão, em sua obra A República, coloca na boca de Glauco, irmão de Sócrates, uma história que atravessou séculos como um espelho incômodo da alma humana: a alegoria do Anel de Giges.
Giges era um simples pastor na Lídia. Um dia, após um terremoto abrir uma fenda no chão, ele entrou na cratera e encontrou um cadáver gigantesco. No dedo do morto, um anel. Ao colocá-lo, descobriu que, ao girar a pedra para dentro, tornava-se invisível. Invisível para os outros e, talvez, para sua própria consciência.
Com essa nova “liberdade”, Giges não demorou a tomar a esposa do rei, conspirar contra ele e usurpar o trono. Platão não narra isso para nos entreter, mas para perguntar: se ninguém pudesse nos ver, nem punir, ainda seríamos justos? Ou apenas a ausência de oportunidade nos mantém “bons”?
Essa pergunta atravessa o tempo e nos olha diretamente nos olhos. O anel pode ser um artefato mítico, mas sua essência está presente no menor cargo de liderança, no cartão corporativo de uma empresa, no crachá que dá acesso a portas fechadas ou no simples fato de um cliente saber que “o cliente sempre tem razão”.
O anel não é de ouro. Muitas vezes é de plástico, mas brilha o suficiente para cegar a consciência.
Na minha curta, mas intensa experiência profissional, já vi esse “anel” ser girado em um balcão de loja.
Pessoas comuns, que parecem tranquilas no dia a dia, ao perceberem-se protegidas pela capa invisível da razão unilateral de ''o cliente sempre tem razão'', despejam no atendente todo o azedume acumulado, como se cada frustração da vida fosse culpa de quem está do outro lado do balcão. E, de repente, o sorriso cortês do início da conversa se transforma em arrogância e desprezo, basta um simples ato que desagrade o homem-piolho (quem leu Dostoiévski vai entender a referência).
Isso não é apenas comércio. É a vida. É a política. É a história inteira. Reis, generais, executivos, líderes religiosos, todos, em algum momento, tiveram um “anel de Giges” em suas mãos. Uns resistiram. Outros o giraram, deixando o pior de si governar. O noticiário está repleto de histórias de abusos de poder, de escândalos que nascem justamente onde a sombra é mais densa e a supervisão mais rara.
Qual o limite entre a moral e o mau comportamento? Talvez ele seja mais tênue do que imaginamos. Talvez sejamos bons não porque somos intrinsecamente virtuosos, mas porque ainda não tivemos a oportunidade perfeita para sermos o oposto. E isso é perturbador.
O mais inquietante do mito é que ele não nos dá uma resposta clara. Assim como Platão deixou a questão aberta, também deixo. Porque cada um, diante de uma oportunidade de agir sem testemunhas, revela seu verdadeiro rosto. No fim, o anel está sempre à nossa frente, em maior ou menor escala. E quando ele aparecer para você, a pergunta será inevitável:
Você agirá como Giges?




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