UNESCO confirma: o mundo está ficando menos capaz de interpretar textos simples
- Eric Rudhiery Albuquerque

- 6 de nov.
- 3 min de leitura
A educação mundial vive um de seus períodos mais críticos desde que organismos internacionais começaram a medir a aprendizagem de forma comparável. Por décadas, acreditou-se que ampliar o acesso escolar seria suficiente para garantir desenvolvimento humano e social.
Mas os dados mais recentes mostram uma realidade oposta: embora mais crianças e jovens frequentem a escola, cada vez menos estão aprendendo de fato. Trata-se de uma crise silenciosa, mas profunda: a crise da aprendizagem.
Segundo o relatório The State of Global Learning Poverty (2022), produzido pelo Banco Mundial e pela UNESCO, aproximadamente 70% das crianças de 10 anos em países de baixa e média renda não conseguem ler e compreender um texto simples. Antes da pandemia da Covid-19, esse número era de 57%. Ou seja, em apenas alguns anos, houve um retrocesso equivalente a décadas de esforço.
Esse fenômeno, chamado de learning poverty (pobreza de aprendizagem), significa que milhões de estudantes estão sendo alfabetizados no papel, mas não desenvolvem compreensão mínima daquilo que leem. O mesmo estudo alerta que, sem uma resposta urgente, essa geração corre o risco de perder oportunidades profissionais e cognitivas de forma irreversível.
O Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA), coordenado pela OCDE, confirmou essa deterioração. Na edição de 2022, aplicada a alunos de 15 anos em 81 países, o desempenho global caiu em média 10 pontos em leitura e 15 pontos em matemática em relação a 2018. Essa queda foi a maior já registrada desde o início das medições em 2000. No caso do Brasil, o país manteve-se abaixo da média mundial, com resultados que voltaram aos níveis de 2009. Isso significa que os avanços obtidos na última década praticamente se perderam.
Internamente, os dados brasileiros confirmam essa estagnação. O SAEB e o IDEB, divulgados pelo INEP em 2023, mostraram leve melhora nos anos iniciais do ensino fundamental, mas forte queda no ensino médio e estagnação nos anos finais. Em outras palavras, as crianças até o 5º ano recuperaram parcialmente o nível de leitura e escrita, mas os adolescentes continuam com desempenho insuficiente em interpretação textual e raciocínio lógico. Isso compromete não apenas o aprendizado, mas também o preparo para o mercado de trabalho e a vida adulta.
Outro indicador alarmante vem do INAF (Indicador de Alfabetismo Funcional), divulgado em parceria com o Instituto Paulo Montenegro e o UNICEF em 2024. O levantamento apontou que 29% dos brasileiros entre 15 e 64 anos são analfabetos funcionais. Isso significa que quase um terço da população lê frases curtas, mas tem dificuldade em interpretar textos, compreender instruções simples ou identificar ironias e argumentos. Entre jovens de 15 a 24 anos, a taxa subiu de 14% em 2018 para 16% em 2024, um retrocesso preocupante em plena era digital.
Esses números não representam apenas falhas pedagógicas, mas um sintoma de crise civilizatória. Quando a leitura e a interpretação desaparecem, a capacidade de pensar criticamente também se esvai. O resultado é uma sociedade mais vulnerável à manipulação, ao populismo e à superficialidade. O analfabetismo funcional se tornou um problema cultural e político: as pessoas têm acesso a informações em escala inédita, mas não conseguem discernir o verdadeiro do falso, o essencial do trivial.
O Relatório Global de Monitoramento da Educação 2023, da UNESCO, também destacou que o uso crescente de tecnologias sem preparo pedagógico contribuiu para aprofundar desigualdades. Países que investiram em plataformas digitais durante a pandemia sem oferecer formação adequada aos professores e sem garantir acesso igualitário aos alunos ampliaram o fosso entre ricos e pobres. O documento enfatiza que tecnologia sem método não é solução, e sim multiplicador de desigualdade.
Em síntese, o quadro é grave e exige uma resposta coordenada. O mundo vive uma regressão educacional que ameaça o futuro econômico e intelectual das próximas gerações.
No Brasil, a estagnação dos índices e a persistência do analfabetismo funcional demonstram que o país precisa de políticas que não se limitem a construir escolas, mas que garantam o aprendizado real dentro delas. Educação não é apenas presença em sala de aula, é formação de pensamento. E quando um povo perde a capacidade de compreender um texto simples, perde também a capacidade de compreender a si mesmo e o mundo que o cerca.




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